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Peguei fogo ao céu

Uma carta de amor é escrita a uma velocidade diferente daquela de todos os dias, a velocidade permeável ao que quero sentir, que normalmente me foge das mãos

v = Δs/Δt

Mas eu ando muito rápido, eu corro mais rápido, eu penso tão rápido e como tão rápido, que não é por pressa, nem é por ter onde ir, nem é porque tenho de acordar cedo, nem é porque amanhã faço anos, mas eu sinto tão rápido, eu amo tão rápido: é porque eu quero tudo ao mesmo tempo, nas quantidades todas que nem me cabem nas mãos e nem me cabem na cabeça e no coração, porque é tão forte e tão grande.

Mas é assim que eu quero, mesmo que não consiga dormir e que acabe às voltas à procura de coisas para pensar. São três e vinte e quatro da manhã e estou a ler, num ecrã demasiado brilhante, que — supostamente — há mais árvores no planeta terra do que estrelas na nossa galáxia.

+ 3T > 100-400B

De repente, o meu quarto é um gabinete ao contrário onde alguma coisa explodiu e eu não sei se olho para dentro, se olho para o céu ou se olho para ti. Na falta que me fazes, só sei habitar o mundo de apontamentos que se tornam desenhos que se tornam pintura que se tornam desenhos de novo para se tornarem a pele clara das minhas dúvidas.

Mas eu nem sei por onde começar, por isso começo pelo fim, pelo chão que é teto. Eu começo por onde a gravidade é mais forte, pelo que envelhece mais rápido, para onde olho todos os dias porque tenho de ver por onde ando e o que piso, e porque tenho demasiado medo para encarar aquela pessoa que ali vem. Começo por virar os pólos, para toda a gente notar que o que me importa é o céu e que há coisas que caem pelo caminho e outras que nunca fizeram sentido.

Mas eu nem sei se assim resulta: é que sinto que poucas pessoas olham para céu como eu. O meu céu vem dos azuis saturados dos cromos de infância, vem da ciência que vê as camadas todas de vapor de água por onde passa o meu foguetão sem chegar a nenhum piso azul; vem como guia tátil onde queria ler o meu destino e vem de um sítio onde ainda acredito que vou encontrar dinossauros. Mas agora já nem os devotos olham o céu, já nem as bruxas olham o céu, já nem os loucos olham o céu, da mesma maneira. Sabemos do saturno retrógrado, porque alguém nos disse, porque alguém lhe leu, porque alguém tem a app, porque alguém até percebe.

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Fiquei aqui a viver nos últimos dias e não sei se gosto disto tudo, mas gosto das novas cores e das antigas e gosto de como tudo me sai realmente de dentro. Gosto que a minha honestidade seja a mesma contigo, com a minha mãe e com o meu trabalho. Só que quero mesmo virar tudo ao contrário, para saber o que sentes quando não tens bem a certeza.

Na falta que me fazes, só sei habitar o mundo de novas imagens, porque eu sei que ainda não há suficientes. Eu sei que sou demasiado, que ando demasiado, que corro demasiado, que penso demasiado, que como demasiado. Nem é porque me falta alguma coisa ou porque me esqueci ou porque não há luz. É que está demasiado calor, porque ontem peguei fogo ao céu na ânsia de riscar coisas da minha lista imaginária.

Não foi por falta de instruções. Foi pela cor do teu cabelo.

Carolina Grilo Santos
Galeria do Sol, Porto
Abril 2022

Peguei fogo ao céu, exposição a solo de Teresa Arega com curadoria de Carolina Grilo Santos